Xangai e Guangzhou se tornaram os dois aglomerados urbanos mais populosos do mundo
François Moriconi-Ebrard – Joan Perez
Introdução
No momento em que a China se torna a primeira potência econômica mundial em termos do Produto Interno Bruto medido em poder de compra9, não é muito surpreendente de descobrir que a população de suas duas maiores aglomerações pulverizou o recorte mundial precedente detida em 2000 por Tokyo. As dimensões das conurbações de Shanghai (79,7 milhões de habitantes) e de Guangzhou (47,5 milhões de habitantes) não estão à altura das daquele país, de sua demografia, das escolhas de desenvolvimentos recentes se apoiando em cidades, e de seu prodigioso e constante crescimento econômico desde algumas décadas?
Com 1 347 milhões de habitantes (2010), a China é 20 vezes mais populosa que a França ou o Reino Unido, mas a aglomeração de Shanghai é ainda “que” 7,5 vezes mais populosa que Paris ou Londres. A aglomeração de São Paulo concentra 10% da população do Brasil, enquanto Shanghai 5,8% “somente” da China. Esta última é 3,5 vezes mais populosa que a aglomeração de Nova Iorque, mas a população da China, quanto a ela, é 4,3 vezes superior àquela dos Estados Unidos.
Seria, portanto muito surpreendente que as cidades da China não estivessem no topo da hierarquia urbana mundial que era ainda o caso em 2000. Então, os resultados de 2010 põem uma questão mais interessante, que subjaz uma problemática mais ampla: como as grandes aglomerações chinesas puderam subir rapidamente ao topo da hierarquia urbana mundial?
A resposta a esta questão necessita de um retorno sobre a metodologia e sobre a definição utilizadas para alcançar estes resultados. Porque os números que oferecemos, todos baseados em uma abordagem científica reconhecida, não coincidem em nenhum dos casos com as estatísticas oficiais chinesas. Esta discrepância com os dados oficiais nos dá a oportunidade de operar um retorno sobre a utilização e significado da abordagem morfológica do farto urbano nas ciências humanas. Deixando de lado as inumeráveis classificações das “megacidades” do Planeta fundadas sobre uma multiplicidade de indicadores (radiação financeira, de pesquisa, consumo, riqueza, equipamentos, etc.), a única referência deste estudo é deliberadamente a definição morfológica utilizada sem mudança há 30 pela base de dados Geopolis (Moriconi-Ebrard, 1993, 1994).
Duas razões principais prevalecem nesta escolha. A primeira, de uma maneira geral: a possibilidade de comparar as dimensões das aglomerações não somente no nível internacional, mas também sob a longa duração. Em seguida, no caso particular da China: a diferença entre o caráter político da definição nacional e o caráter material da abordagem morfológica. Abordagem que permite, por seu turno, medir2017-03-28T09:46:00s o fosso abissal que existem entre as duas formas de pensar a cidade.
Fundamentos teóricos
“Inspetor Chien, você sabe bem como a gente que tudo é política!”. Aqui uma frase que empresta Qiu Xialong a um dos personagens dos seus romances policiais: Li, o secretário do partido. Que se trate de um assassinato, de um cardápio no restaurante ou de uma vestimenta, tudo é política “mesmo quando as aparências parecem indicar o contrário”. Em China, a definição de cidade não escapa, que nem sempre faz bem uma mistura com as estatísticas urbanas elaboradas pelas representações ocidentais da cidade, e que são também aquelas do pequeno mundo globalizado das ciências humanas. Para compreender a definição chinesa, tanto quanto os resultados inéditos que propomos é, portanto, indispensável partir de alguns pontos de referência ocidentais.
As representações ocidentais: três tipos de abordagem
Em França, é suficiente que uma comuna faça parte de uma aglomeração de mais de 2 000 habitantes para que ela seja classificada na categoria “urbana”, qualquer que seja seu próprio tamanho. Esta abordagem é morfológica porque ela se apóia na continuidade do construído. Ela deve ter ao menos 200 metros entre duas construções, a largura de cursos d’água atravessado por uma ponte estando excluída. Desde 1990, uma definição mais ampla se superpôs, sem eliminar a abordagem morfológica: a área urbana. Esta última é definida de acordo com o trajeto casa-trabalho e adiciona comunas periurbanas situadas fora da aglomeração e, pelo menos, 40% dos ativos estão empregados na unidade urbana, quando ela oferece mais de 100 000 empregos.
Assim, em um nível internacional, três tipos de abordagem coexistem:
(1) A “cidade” propriamente dita é um território de natureza política e jurídica. Seus limites são precisos, mas seus traços são invisíveis, no terreno como nas imagens de satélites.
(2) A “aglomeração” busca definir um meio artificializado ocupado por construções. Seus limites materiais são experimentáveis e verificáveis. Com a Revolução Industrial e a explosão demográfica que se seguiu, um grande número de aglomerações ultrapassou os limites legais das cidades, instalando-se sobre unidades administrativas periféricas chamadas “subúrbios”.
(3) A “área metropolitana” aparece pela primeira fez no mundo anglo-saxão em 1930-1940. A definição visa delimitar os limites de uma área de influência ainda mais vasta que a aglomeração, chamada na França de “corona peri-urbana”. Esta última é definida a partir da intensidade dos fluxos polarizados, notadamente os trajetos casa-trabalho.
Cada uma das três definições estatísticas produz localmente objetivos muito diferentes. O quadro 1 dá uma idéia da heterogeneidade das medidas e de alguns indicadores que resultam: no caso de Paris, a massa demográfica varia nas proporções de 1 a 6, a densidade de 1 à 29 e a superfície de 1 à...171! O documento 1 mostra o caso muito similar de Los Angeles, em um outro continente.
Quadro 1. As três abordagens estatísticas das dimensões urbanas. O caso de Paris
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Definição
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número de comunas
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km2
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população (2013)
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densidade (hab./km2)
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(1)
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Cidades propriamente ditas
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1
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105
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2229621
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21154
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+
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Subúrbio
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411
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2740
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8371501
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3055
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(2)
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=
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Unidade urbana
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412
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2845
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10601122
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3726
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+
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Corona periurbana
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1382
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14330
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1804304
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126
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(3)
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=
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Área urbana
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1794
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17175
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12405426
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722
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Fonte: INSEE, 2017 (zoneamento de 2010)
Documento 1. As três abordagens estatísticas das dimensões urbanas: O caso de Los Angeles
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City
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Urban area
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Metro. area
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Superfície
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1 216
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7 053
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88 060
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População
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3 792 621
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15 448 906
|
17 877 006
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Densidade (habitantes/km2)
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3 119
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2 190
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203
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Fonte: US Census Bureau, TIGER 2010
Estas três abordagens estatísticas coexistem em apenas alguns países: a maioria das definições oficiais nacionais não proporciona em geral que um ou dois deles. Por exemplo, na Alemanha nenhuma definição oficial proporciona agregar “comunas” pertencentes a uma mesma aglomeração, enquanto, pelo contrário, em Argentina apenas as cidades são definidas. No Brasil, um perímetro aglomerado é certamente identificado no interior de cada municipalidade, mas não proporciona agregar as municipalidades que partilham à mesma aglomeração. A delimitação de regiões metropolitanas multi-minicipais é por sua parte política. Ela é descentralizada no nível de cada Estado, e não é objeto de nenhuma estatística nacional (Chatel, 2016). A comparação internacional de estatísticas urbanas não tem nenhum fundamento científico quando ela é fundamentada sobre suas definições nacionais e oficiais.
Quadro 2. Tipos de definições usados em alguns países
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Cidade
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Aglomeração multi-cidade
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Área metropolitana
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Estados Unidos
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Incorporated place
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Urbanized area/urbancuster
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Metro. area
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França
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Commune
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Unité urbaine
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Aire urbaine
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Brasil
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Cidade + vila
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…
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Região metropolitana
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China
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Shi
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…
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…
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Alemanha
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Stadt
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…
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…
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Argentina
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…
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Area urbana
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…
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As representações chinesas: uma complementar dualidade
A definição chinesa é, por sua parte, decididamente política. Não existe nenhum dispositivo estatístico oficial para agregar “cidades”: único predominante, o Político. Para compreender esta abordagem, convém partir da hierarquia.
A China é genericamente10 divida em três províncias (省, pinyin : shěng); as províncias em prefeituras (地级, dìjí), as prefeituras em departamentos (县, xiàn), os departamentos em cantão (乡, xiāng), os quais são finalmente divididos em comunas (委员会wěiyuánhùi).
A categoria « cidade » (市, shì) se distribui a todos os níveis da hierarquia (2010).
A) 4 cidades são de nível provincial (直辖市, zhíxiáshì): Beijing, Shanghai, Tianjin e Chonggqing (Quadro 4)
B) 283 cidades são do nível de prefeituras (地级市, dìjíshì);
C) No interior destes últimos, um perímetro mais restrito (市辖区, shìxiáqū) é definido por um ou muitos bairros urbanos (区, qū);
D) 374 cidades são de nível departamental ((县级市, xiànjíshi);
E) No nível do cantão, 6 152 entidades são de tipo urbano (街道, jiēdào), às quais se pode adicionar 19 532 « burgos » (镇, zhèn) ;
F) No nível local, 80 717 comunidades (区居民委员会, jūmínwěiyuánhùi) são de tipo urbano, contra 623 669 de tipo rural ;
Até aqui, nada de muito original : em Alemanha existe as mesmas cidades do nível « Terra » (Landstadt de Berlin e de Hamburg) « círculo » (Kreisfreiestadt) ou comunal (Stadt), assim como os burgos (Markt) e as comunas rurais (Gemeinde).
Quadro 4. As quatro cidades no nível provincial
(a) Território criado em 1997 – Os números dos recenseamentos anteriores foram reconstituídos por agregação das subdvisões constitutivas. Fonte: recenseamento da população
As coisas se complicam sempre quando se constata que cada nível pode ser subdividido em entidades do tipo urbano ou rural, que são os mesmos de tipo urbano ou rural11. Todas as combinações são possíveis: algumas entidades territoriais rurais podem ser colocadas sob a jurisdição de uma cidade, ela mesma dependente de uma jurisdição rural, etc.
Como as categorias yin (阴) e yang (阳), a dualidade não é concebia como uma oposição de categorias, mas como uma complementaridade:
- Da mesma maneira que encontramos um pouco de yin em yang e um pouco de yang em yin, existem entidades urbanas no rural, e rurais no urbano. Este princípio se reproduz em todos os níveis na hierarquia de corte territorial;
- A fronteira entre as duas categorias é uma suave curva que, representadas em um círculo, opera uma incursão de uma parte a outra do diâmetro, e não mais em uma linha direta que a fatia. Da mesma forma, o mapa político está sujeito a transformações que afetam os limites e as categorias: entre os recenseamentos de 2000 e 2010, cerca de 35% das entidades do nível (D) mudaram12;
- Para o geógrafo, o princípio filosófico aplicado para a hierarquia política tem por efeito dar um caráter factral à dualidade urbano/rural (fig. 1).
Figura 1 : Dualidade complementar aplicada à hierarquia de corte territorial
Profecia autorrealizadora do Político
Para cada cidade, uma multiplicidade de números de população são, portanto, aceitáveis. Tudo depende (1) de qual nível da hierarquia é levando em conta e (2) se toleram ou não os enclaves e os exclaves. Concernente à população das cidades chinesas, isso explica as discordâncias consideráveis que existem segundo a base de dados nacionais e internacionais, mesmo entre os trabalhos universitários. Assim, alguns não hesitam em atribuir 30 milhões de habitantes para Chongqing13 quando outros não encontram 3, 9, 11, 14 ou 15 milhões... As estatísticas urbanas chinesas são um tipo de feira onde cada utilizador pode por os números que vão apoiar melhor seu discurso.
Essa confusão procede da impossibilidade objetiva de utilizar um método de científico para arbitrar a escolha entre duas séries. Nenhuma definição, nenhum perímetro, nenhuma categoria é baseada somente em alguns critérios demográficos (unicamente de população, densidade...), morfológicos, econômicos ou sócio-econômicos: somente as decisões políticas prevalecem.
Porém, o Político não se contenta em somente “seguir” as mudanças ligadas à urbanização: na maior parte dos casos ele a precede: a decisão jurídica de urbanizar um território é anterior à realidade material. Isso resulta que no momento do recenseamento, a unidade espacial pode ser classificada urbana durante a contagem, e no limite, uma densidade e uma população quase nulas (figura 2).
Assim, na tradição liberal-ocidental globalizada, as estatísticas têm uma vocação exploratória. Só depois de ter constatado que estar aglomerado a uma grande cidade que uma comuna seria classificado como “urbano”. As estatísticas chinesas, ao contrário, tem por vocação confirmar que o Político decide. É porque o resultado do caminho que nós propomos esbarra frontalmente na bela ordem prevista pelo Político.
Figura 2. Do rural ao urbano: região de Suzhou
(a) março 2002
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(b) setembro 2003
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(c) abril 2012
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(a) Em março de 2002, o território já foi legalmente classificado como urbano. Um vilarejo velho teve de ser destruído (no alto, à esquerda).
(b) No ano seguinte a zona foi esvaziada de sua população rural. As terras foram viabilizadas, os antigos canais de irrigação estão envia de enchimento.
(c) A partir de 2012, o setor apresenta torres de 30 andares e acompanhado de numerosos equipamentos. (Source : GoogleEarth)
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Metodologias e fontes
Desde os anos 1990, a base de dados Geopolis propõe uma solução que permite comparar as populações das aglomerações urbanas no planeta, qualquer que seja as manipulações estatísticas imaginadas pelos Estados.
O caminho é exploratório e o método consiste simplesmente em estender ao mundo inteiro a definição preconizada na França pelo INSEE desde 1962, e que é recomendado pelos serviços estatísticos da ONU a partir de 1980. A população de todas as unidades incluídas em um tal conjunto forma então a população da aglomeração, quer sejam consideradas urbanas ou não do ponto de vista da definição oficial.
Essa definição apresenta a vantagem de utilizar fontes independentes do aparelho estatístico dos Estados: as imagens de satélite. Hoje, essas fontes são acessíveis ao nível mundial graças a uma larga difusão sobre a internet, notadamente com o Google Earth. De um ponto de vista científico, os resultados obtidos permanecem de toda forma experimentáveis e verificáveis em campo, e o conjunto do método reproduzível.
De um lado, o perímetro é identificado sobre a base de imagens de satélites em respeito a uma única regra: a continuidade das construções. De outra, o perímetro obtido é superposto à malha de unidades administrativas, e que permite capturar os dados de recenseamento da população.
Na China, país de grande tradição burocrática, os recenseamentos são fontes demográficas falhas14. Os últimos 6 datam de 1953, 1964, 1982, 1990, 2000 e 2010. Infelizmente os resultados não são difusos ao nível das unidades menores (cf. supra nível F), mas ao nível dos “cantões” (nível E). Insuficientemente detalhados do ponto de vista da resolução espacial, eles ainda não permitem avaliar a população das pequenas aglomerações. Abaixo do limiar de 100 000 habitantes, a margem de erro engendrada pela falta de precisão é muito importante para ser explorada. A população das grandes aglomerações pode ser estimada com uma precisão aceitável até para 400 000 mil habitantes. Para as grandes aglomerações, a margem de erro é às vezes mínima.
Ao lado dos recenseamentos, os escritórios estatísticos das províncias publicam os dados anuais a partir dos arquivos de registro da população. Contudo, estes dados somente levam em conta os dados dos residentes titulares de uma autorização de residência (hukou). Os outros habitantes, essencialmente os ativos que mais ou menos se hospedam por longo tempo em um canteiro de obras ou uma empresa, são comumentemente chamados “população flutuante”. Por definição, eles não estão contados no sistema de registro dos residentes. Porém, os quadros dos recenseamentos, que dão as duas categorias de população, mostram que existem diferenças consideráveis entre as duas séries. Para o cálculo da população é, portanto, imperativo se basear sobre a população realmente presente, trabalhando, consumindo sua habitação – mesmo que às vezes em condições precárias – e se deslocam diariamente para o seu lugar de trabalho. Inversamente, contar somente a população titular do hukou contra somente milhões de pessoas fisicamente ausentes no campo. Aqui ainda, a realidade material é diferente da realidade política...
Resultados
No recenseamento de 2010, 5 aglomerações chinesas tinham mais de 10 milhões de habitantes, 72 mais de um milhão e 1 227 mais de 100 000. Segundo as estimativas, a China conta provavelmente algumas 13 000 aglomerações de mais de 10 000 habitantes, abrigando cerca de 64% da população do país. O único país comparável nestas dimensões demográficas poderia ser a Índia. Porém, ao inverso da China, a União Indiana tem dado prioridade ao desenvolvimento rural (quadro 5)15, o que se traduz hoje em um nível de urbanização muito mais fraco.
Quadro 5. Comparação Indo-China : os dois maiores sistemas urbanos do Planeta
As dimensões urbanas da China ficam, portanto, sem equivalente no resto do mundo. As 10 primeiras aglomerações poderiam conter a totalidade da população do Brasil (quadro 4).
Quadro 6. As 10 aglomerações mais populosas da China em 2010
*Número de unidades espaciais de nível cantão englobadas nas aglomerações. ** Superfície fora laços e rios. Fonte: Geopolis (dados físicos) ; Recenseamento de 11/2010 (população).
Mapa 2. As conturbações chinesas de acordo com Geopolis
Além dos superlativos
79,7 milhões de habitantes: o tamanho de Shanghai empurra naturalmente o observador ao abuso dos superlativos e a uma retórica dramática, postura pouco compatível com a abordagem científica e que parece datar da Babilônia bíblica, “mar de prostitutas e de abominações na terra”.
Desde 1840, a humanidade tem batido recordes cotidianamente em concentrações urbanas. Desde Charles Dickens até os últimos romances de ficção científica, se constata alimentação de pontos de vista catastróficos e alimenta as fantasias mais loucas. Poderíamos dizer a mesma coisa de Luxemburgo (150 000 habitantes em 2010 segundo Geopolis): neste pequeno país, cada dia, avançamos igualmente para o desconhecido no que concerne às dimensões das aglomerações urbanas. Questão de escala: o tamanho inédito de Shanghai, ela questiona e concerne, portanto, à humanidade inteira.
Até a Revolução Industrial, nenhuma cidade jamais tinha alcançado os 2 milhões de habitantes. A única a ultrapassar pela primeira vez foi a Londres vitoriana, em 1842, capital do “Império sobre o qual o sol nunca se põe”. Os 6,5 milhões foram atingidos na virada do século XX.
Após a Segunda Guerra Mundial, Londres é ultrapassada por Nova Iorque, metrópole econômica na nova super potência militar, industrial e financeira do globo. Ela é a primeira aglomeração a ultrapassar o limiar simbólico de 10 milhões de habitantes, ultrapassado hoje por mais de 30 aglomerações (Chatel & Moriconi, 2013). Em 1990, o primeiro lugar é ultrapassado transitoriamente por Tókio, que alcançou 30 milhões de habitantes na virada do segundo milênio.
Um grande número de indicadores confirmam essa classificação demográfica. Em 2014, a lista dos portos ativos os mais movimentados do Planeta em termos de tráfego de containeres, Shanghai está en primeiro lugar no ranking mundial. Os de Shenzhen, de Hong Kong e de Guangzhou, todos os três situados na segunda maior aglomeração da China, chegaram, respectivamente, ao 3º, 4º e 8º no ranking mundial16.
A aglomeração de Guangzhou, por sua vez, possui 3 dos 50 primeiros aeroportos do mundo, totalizando 163 milhões de passageiros em 2010, enquanto que os de Shanghai (Pudong e Hongqiao) atingiram 99 milhões de passageiros, os quais convém adicionar os 53 milhões de passageiros dos aeroportos de Nanjing (Lukou) e de Hangzhou (Xiaoshan). Ainda, as duas cidades são colocadas nos primeiros lugares do ranking mundial.
Esta primazia mundial de duas aglomerações chinesas não é novidade na História. Durante ao menos mil anos (800-1850) a China abrigava sem descontinuidade uma das três maiores cidades (Chandler & Fox, 1976). Foram algumas vezes Changgan, Kaifeng, Beijing, Nanjing ou Hangzhou, estas duas últimas agora estando todas duas religadas à Shanghai por um tecido de construção contínua. É, portanto, o período entre 1850 e 2000, no curso dos quais nenhuma cidade chinesa figura entre as três maiores aglomerações do mundo, que aparece ao contrário como um acidente da História. Uma ausência durante um período de crescimento, contudo, inédito para o espaço humano: entre 1850 e 2000, a população mundial passou de 1,3 a 6,1 bilhões de habitantes17. E em 2010, quando as cidades na China retornaram ao primeiro plano, a população do Planeta alcançou quase 7 bilhões.
É porque, além dos habitantes superlativos, a questão mais fascinante que põe os resultados à luz da base de dados Geopolis é sem dúvida: como as cidades chinesas conseguiram voltar tão rapidamente ao topo da classificação mundial?
Aglomerações multi-metropolitanas
O famoso romance ShiNai’na, Au Bord de l’Eau, no qual a epopéia lendária das tropas de Song Jiang termina na região de Shanghai, nos descreve uma paisagem onde a densidade é tal que, sobre as léguas e as léguas, “as casas se sucederam sem interrupção à borda da estrada”. Porém, a ação se desenrola... no século XII.
É, portanto em uma região onde o povoamento é muito denso e linear que se desenvolveu a aglomeração de Shanghai. A cidade de nível provincial ocupa um território imenso (mapa 4), aglomeração que transborda por volta de 2005. Sobre a província de Jiangsu, o naipe das construções absorvem rapidamente as grandes cidades como Suzhou, Wuxi à Changzhou a oeste. Em 2010, ela ainda está ligada somente por poucos filamentos finos de edifícios, mas sem quebrar as velhas metrópoles de Nanjing a oeste e de Hangzhou no Zhejiang. Enfim, conforme os critérios da definição adotada, a construção recente de pontos sobre o rio Yangzi permite a ligação das velhas aglomerações do litoral norte, tais Taizhou, Nantong e Yangzhou.
Da mesma maneira, a aglomeração de Guangzhou (mapa 5) se organiza em torno de um estuário, o de Zhūjiang (Rio das Pérolas). Se Foshan foi absorvida por Guangzhou em 2000, é necessário notar o crescimento relâmpago do litoral oriental. Um grande corredor se formou até o norte da Região Autônoma Especial (SAR) de Hong Kong, incluindo Dongguan e Shenzhen, “a usina do mundo”. A capital do SAR de Hong Kong, Victória, forma, no entanto, uma aglomeração de distinta de 4,1 milhões de habitantes. A oeste do estuário, os filamentos nos contorno complexos religam sem descontinuidade a cidade de Zhuhai e o minúsculo território de Macao (29,5 km2).
A definição morfológica permite, portanto, responder a nossa questão. A partir de uma única dimensão, todas as grandes aglomerações do mundo se tornaram conurbações que reuniu centros anteriormente disjuntos. No tecido urbano, os últimos ainda ficam bem identificáveis e conservam uma forte identidade.
Contudo, a esta escala, a palavra “policentralidade” não é mais suficiente: estamos em face de aglomerações “multi-metrópoles”, resultado da fusão entre blocos correspondentes de antigas metrópoles. Assim, em 2000, Nanjing ou Hangzhou já teve vários milhões de pessoas antes de se juntar a Shangai. Esse processo explica o salto quantitativo observado entre os dois recenseamentos.
Esse crescimento aparente – pois que ele leva ao “desaparecimento” de núcleos menores – pode se efetuar sem o êxodo rural e sem o crescimento excessivo atual da população rural. A conseqüência desse fenômeno é a redução clara do número de aglomerações. A explosão urbana (urbans prawl) é chamada na China de “propagação das cidades” (城市蔓延, pinyin : chéngshìmànyán). Nos espaços intersticiais, o crescimento foi, no entanto, vergitinoso, sustentada por operações de urbanismo de uma rara magnitude (cf. supra figura 2). Assim, indo de 352 000 a 10,4 milhões de habitantes em 28 anos, o crescimento de Shenzhen foi tal que a cidade pode ser considerada como o centro da aglomeração de Guangzhou. Um pouco mais ao norte, Dongguan, um departamento de 1,15 milhões de habitantes em 1982, tornou-se uma cidade de nível prefeitoral de 8,22 milhões de habitantes (quadro 7). Na aglomeração de Shanghai, os crescimentos mais fortes são reparados ao longo do eixo Shanghai-Nanjing.
Mapa 3 Shanghai
Mapa 4 Guangzhou
Quadro 7. Crescimento de algumas cidades da aglomeração de Shanghai e de Guangzhou
- cidades de nível regional (市辖区 : shìxiáqu) : número de “cidadelas” em 2010(区 ; pinyin : qu). Os dados na tabela excluem os xian (县) lugares sob jurisdição essas cidades, como a ilha do xian insular de Chongming (Shanghai).
- cidade de nível departamental (县 :xiàn) : xiànjíshì (县级市).
Conclusão
Nova Iorque, Filadélfia, Boston, Tokyo/Yokohama/Kawasaki/Chiba, região Rhin/Ruhr… à aurora do 3ª milênio, as agitações da hierarquia urbana mundial das aglomerações vão de mãos dadas com uma mudança da forma urbana das estruturas policêntricas (Chatel & Moriconi, 2013). A abordagem morfológica coloca no centro da observação o espaço na evidência de sua materialidade. A aglomeração é um meio caracterizado antes de tudo pela artificialização do solo e cuja longevidade ultrapassa a durabilidade da vida humana. A partir desse estrito ponto de vista, podemos avançar algumas conclusões.
Em primeiro lugar, a forma multi-metropolitana caracteriza um número crescente de metrópoles do Planeta. Em 2010, vastas conurbações emergiram em todos os continentes, bem como na Europa (Belgica, Holanda, Norte da Itália), da Índia (Kerala), à Java e Nigéria (Onitsha). No Brasil, a aglomeração de São Paulo quase se junta à de Campinas, enquanto que a Megalópolis do nordeste americano está se tornando a única aglomeração morfológica, como apresentou Jean Gottmann (1961). Em 2017, as imagens de satélite mais recente mostram que a aglomeração de Shaghai é ainda propagada, para repreender a terminologia chinesa. Ela alcançará facilmente os 100 milhões de habitantes em 2020. A China se comporta, portanto, nesse domínio como o resto do mundo, mas na sua escala.
Essa forma multi-metropolitana explica como a China ultrapassou tão rapidamente o que foi considerado, erroneamente, como um “atraso”. Com efeito, essa região do Mundo, uma das mais antigas e densamente populosas, sempre parece ter abrigado as maiores cidades do mundo civilizados. A China raramente ficou atrasada no que concerne às maiores cidades do Mundo, e é, portanto, muito correto afirmar que ela só perdeu um encontro da História: entre 1850 e 2000. Um encontro crucial, no entanto, porque a população mundial foi multiplicada por 6, e abordou algumas reviravoltas que marcaram o seu desenvolvimento atual: revolução industrial, globalização, explosão da mobilidade...
Enfim, como mostram os mapas, a tela multi-metropolitana, mais ainda que a forma policêntrica das conurbações menores, deixa aparecer numerosos espaços intersticiais vazios de construção. Isso explica as pontuações muito modestas de densidade “media” nas aglomerações de Shanghai e de Guangzhou, que engloba numerosos enclaves dedicados à agricultura intensiva (arroz, hortas) sujeitos à especulação imobiliária ou reservas fundiárias. A diferença reside aqui nas dimensões inéditas da aglomeração. Neste universo, não subsiste mais nenhuma variável do espaço natural, nenhuma grande floresta, nenhum “pulmão”. Apenas subsistem alguns raros maciços ligados à presença de um tempo sagrado (templo de Changshu Mountain, Suzhou: Jardin des Bonsaï), ofuscado por 16 000 km² de aglomeração. Assim, no topo dos problemas clássicos das grandes cidades (gestão de resíduos, água, energia, circulação), a poluição atmosférica atingiu níveis preocupantes para a saúde dos habitantes.
Como no Paradoxo de Selleri, podemos dizer que aos pulmões da economia globalizada falta ar. Não passamos do topo da classificação das grandes aglomerações à uma escala planetária sem ter de pagar um tributo ao meio ambiente. A idéia de complementaridade na dualidade seria sem dúvida aqui meditar num sentido de um desenvolvimento sustentável integrando as conservações dos espaços naturais.
Referências bibliográficas:
Chandler T. et Fox G., 1976, 3000 Years of Urban Growth, Academic Press, New York-London, 431p.
Chatel C. &Moriconi-Ebard F., 2013, « Nouvelle hiérarchie des grandes agglomérations et nouvelles formes de peuplement ». Questions internationales, Dossier « Les villes mondiales » Paris, La Documentation Française, pp.55-69
Gottmann, J., 1961, Megalopolis: The Urbanized Northeastern Seaboard of the United States, A twentieth Century Found Study, New York, 810 p.
Moriconi-Ebrard François, 1993, L'urbanisation du Monde depuis 1950, Economica-Anthropos, Collection Villes, Paris, 372p. ; 1994, Géopolis pour comparer les villes du Monde, 246p.